quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Parabéns Sr. Darwin!




Aqui levamos Darwin muito a sério e para comemorar o seu aniversário impõe-se uma reflexão inspirada no legado darwinista.

Pensar em Darwin, especialmente no contexto deste blog, significa pensar na continuidade dos homens e dos animais. Da falta de privilegio do homem no seio da vida na terra, e da soberba que a problemática do livre-arbítrio pressupõe. Em verdade parece-me por vezes que esta problemática é ainda fruto de uma mentalidade religiosa que sobrevive em nós e nos coloca acima dos animais. Eles lá em baixo, nós cá em cima, escolhidos, privilegiados, racionais, e moralmente comprometidos.

E se por acaso não acreditamos em deus, ainda assim acreditamos num mundo melhor, onde reciclamos, cooperamos, escolhemos o bem sobre o mal, e moldamos o mundo de acordo com a nossa utopia preferida. Acreditamos que podemos controlar a evolução da sociedade, através de escolhas apropriadas que nos conduzirão a um mundo melhor, com menos sofrimento, maior felicidade e liberdade.

Mas só podemos pensar assim se não levarmos de facto a sério o naturalismo darwiniano. Se ainda pensamos que somos especiais. O refúgio último do humanista é a racionalidade. Deus pode não existir, mas nós consideramos e deliberamos sobre o mundo à nossa volta, e agimos com base em razões e valores. E por isso somos responsáveis e é justo que nos avaliem moralmente. Pensamos que somos, como diz Shakespeare, nobres na razão e infinitos nas nossas faculdades mentais. Infelizmente não somos.

O processo que nos trouxe aqui, a nós e aos animais, não garante qualquer optimização das nossas capacidades mentais. Um resultado possível do processo de selecção natural do homem seria um no qual a nossa memória, o processo pelo qual formamos crenças, a nossa capacidade de deliberação e decisão, aquilo que nos dá felicidade, fossem perfeitos. Isto seria possível, mas não aconteceu. Afinal de contas a selecção natural trabalha sobre mutações genéticas, algumas das quais, necessárias para criar boas memórias, ou decisores mais eficientes, nunca surgiram.

Os nossos módulos mentais, são o resultado de contingências históricas e na maioria das vezes soluções imperfeitas para os problemas da existência. A extensão desta irracionalidade é verdadeiramente notável, quando comparada com a história da carochinha em que crescemos. Tanto a psicologia evolucionária como a economia comportamental apresentam exemplos atrás de exemplos de irracionalidade. Para um catalogo de quanto nós não estamos em controlo no processo de decisão veja-se o livro de Dan Arieli “Predictable irracionality”.

Levar isto a sério significa tomar com uma dose substancial de cepticismo as afirmações da racionalidade humana.

Mas há uma questão importante nesta queda do homem. Ao decompor o arco-íris, o cientista não lhe rouba a beleza. Mas a descentralização do homem leva-lhe, parece-me, qualquer pretensão à moralidade. E aqui a perda é bem real. Afinal há um valor firme que se perde. Louvor, culpa, obrigação, dever, tudo isto perece se o privilégio humano que esse valor superlativo que é o livre-arbítrio for pela janela fora. A ideia que nós escolhemos o nosso destino, que nos criamos a nós e à sociedade, depende de uma distância significativa entre nós e os animais. Distancia essa que era medida pela racionalidade.

Em certa medida o livre-arbítrio é o repositório de todas as mitologias acerca da dignidade humana. Que somos deliberadores racionais, eis talvez a maior fantasia que o humanismo tem contado.

A implicação desta crença para a natureza humana é uma versão do problema do livre-arbítrio e da responsabilidade moral. E se ninguém é verdadeiramente louvável ou culpável pelos seus actos, se ninguém merece nada pelo que faz, então estamos perante uma perda significativa. O problema é levar esta filosofia a sério. Talvez o filósofo Smilansky tenha razão e não possamos viver sem a ilusão do livre-arbítrio. O que, dado o modo convoluto e imperfeito com que formamos crenças, seja uma razão para nos vermos diferente dos animais.

O facto de não ser uma razão suficientemente boa leva-nos, ou à afirmação de uma forma de vida e terminar a questionação por aqui, ou ao início e recomeçar a filosofar outra vez.

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