segunda-feira, 8 de outubro de 2007

Um Dilema para as experiências de Frankfurt

Voltemos às experiências de Frankfurt. Um importante argumento que o incompatibilista tem usado para resistir aos exemplos dados pelas experiências de Frankfurt é apontar o facto de que estas experiências parecem necessitar, para que o interveniente contrafactual faça o seu trabalho correctamente, de um sinal prévio, de forma que este saiba se precisa de actuar ou não.
Mas a relação entre o sinal e a acção é problemática, o que se pode ver na forma de um dilema: Ou o sinal é suficiente nas circunstâncias para a acção A ou não é. Se é, então o incompatibilista pode simplesmente acusar Frankfurt de petição de princípio e nesta situação o incompatibilista não tem de aceitar que o agente é responsável. Por outro lado, se o sinal não é suficiente para A, então parece que o agente pode fazer de outro modo. Vejamos este argumento com mais calma.

Num exemplo típico de uma experiencia mental de Frankfurt, Jones está a ponderar matar o presidente, num certo momento, digamos em t3. Black, sem que Jones o saiba, quer que este, por volta de t2, decida matar o presidente e que leve esta acção a bom termo, mas só intervém caso Jones mostrar não ir faze-lo por si mesmo. Black sabe se precisa intervir porque:

1) Se o complexo neuronal X, de Jones, estiver activo em t1, então, desde que ninguém intervenha, ele irá decidir em t2 matar o presidente.
2) Se o complexo neuronal X, de Jones, não estiver activo em t1, então, desde que ninguém intervenha, ele não irá decidir matar o presidente.
3) Se Black vê que Jones mostra sinais de que não vai decidir em t2 matar o presidente, isto é, se vê que o complexo neuronal X não está activo em t1, então Black força Jones decidir em t2 matar o presidente; mas se vê que o complexo neuronal X está activo em t1, então nada faz.

Mas a situação tal como ocorreu não requereu a intervenção de Black porque

4) O complexo neuronal X, de Jones, está activo em t1, e Jones decide em t2 matar o presidente por razões próprias.


O problema com este esquema surge na relação entre o complexo neuronal X em t1 e a decisão em t2. Pois parece, para que a experiência funcione, é necessário que se X estiver activo em t1 Jones decida em t2 matar o presidente, desde que ninguém intervenha, Jones não morra etc. Mas se estas condições se verificarem então é causalmente suficiente para que Jones decida em t2 matar o presidente que o complexo neuronal X esteja activo em t1. Contudo isto levanta dois problemas: por um lado vai contra uma das condições das experiências de Frankfurt, por outro parece levar a uma petição de princípio contra o incompatibilista.

As experiências de Frankfurt pretendem encontrar uma situação na qual o agente não possa fazer de outro modo, mas em que as condições que não permitem que faça de outro modo não sejam relevantes para que ele faça como faz. Mas caso o sinal seja causalmente suficiente para que Jones mate o presidente, não parece que tal se verifique. Pois parece que o agente não pode fazer de outro modo porque X é suficiente para o que Jones faz. Jones age como age porque não pode fazer de outro modo – e isto é algo que vai contra o espírito das experiências de Frankfurt. A ideia por traz destas experiências é mostrar que há condições que não permitem um agente agir de outro modo que são irrelevantes para avaliar o que ele de facto faz. Mas aqui tal não se verifica.

O outro problema é a de petição de princípio contra o incompatibilista. Afinal as experiências de Frankfurt têm como objectivo separar a questão da responsabilidade moral da questão das possibilidades alternativas. Mas se se apela a um contexto de determinismo causal para o fazer não vai conseguir-se convencer o incompatibilista, pois este acha que o determinismo é incompatível com a responsabilidade moral. Recorde-se a dialéctica: Quer-se uma situação na qual quando Black, o interveniente contrafactual, não intervém, seja igual aquela na qual Black e os seu mecanismo simplesmente lá não estejam. Por isso essa situação original, onde Black não está, tem de ser tal que o incompatibilista reconheça como compatível com a responsabilidade moral do agente, de Jones. Por isso o determinismo não se pode verificar.

Contudo, se a relação entre o sinal prévio e A não for determinista então parece que há alternativas possíveis ao agente. Pois o indeterminismo entre a activação do complexo neuronal X em t1 e a decisão de Jones em t2 significa que X em t1 é compatível com Jones decidir ou não matar o presidente. Mas então não há modo de afirmar que se Jones decide por si mesmo matar o presidente e é responsável por isso, que ele não pudesse ter decidido de outro modo, pois a activação de X é compatível com a decisão contrária. Assim, pode-se argumentar, como tem sido feito, que no contexto actual desta experiencia, nos parâmetros que pressupõe, não é possível estabelecer a irrelevância das possibilidades alternativas para a avaliação da responsabilidade moral.

Os defensores de Frankfurt têm ao longo dos anos desenvolvido muitas formas de responder a esta objecção, incluindo eliminando o uso por completo de sinais prévios, deixando assim de fazer sentido o dilema apresentado.
Quero apresentar no entanto uma estratégia diferente, que me parece ser a única que consegue adequadamente responder ao dilema.

Comecemos por assumir o indeterminismo, para que o incompatibilista mantenha a atenção – afinal queremos convencê-lo da inutilidade das possibilidades alternativas. Imaginemos então um caso ligeiramente diferente do original.
Vejamos, Black quer certificar-se que Jones decida e mate o presidente, mas só intervém caso Jones não decida por si mesmo. O problema é certificarmo-nos que Black sabe quando deve intervir sem cair no dilema anterior. Penso que numa circunstância em que para que Jones decida não matar o presidente seja necessário a activação do complexo neuronal X mas onde X não seja suficiente para a decisão de não matar é tal que Black sabe quando intervir e caso não tenha de intervir Jones é responsável pelo que faz, sem que voltemos ao dilema anterior.

Vejamos em detalhe os parâmetros da experiencia

1) Para que Jones decida até t2 não matar o presidente é necessário que até t2 o complexo neuronal X fique activo.
2) Se o complexo neuronal X ficar activo entre t0, quando Jones inicia o processo de deliberação, e t2, quando Black quer uma decisão de Jones para matar o presidente, não se segue que Jones decida não matar, baseado nas suas próprias razões, o presidente. A activação de X é compatível com Jones, não sendo manipulado, formar a decisão de matar o presidente.
3) Se entre t0 e t2 o complexo neuronal X não se activar, então Black não intervém.
4) Se entre t0 e t2 o complexo neuronal X activar-se, então Black faz com que Jones decida matar o presidente.

Mas a situação tal como ocorreu não requereu a intervenção de Black porque

5) Entre t0 e t2 o complexo neuronal X não se activou, e Black decidiu em t2 matar o presidente por razões próprias.

Obtemos o mesmo o dilema aqui, ou pelo menos uma das suas partes? Não será que estamos assumir que é suficiente a não activação de X para que Jones decida matar o presidente por suas próprias razões, tal como no caso acima discutido? Penso que não, pois no processo causal de deliberação entre t0 e t2 nunca há um sinal, como no caso anterior, em que temos um sinal em t1 que nos diz, com suficiência que Jones vai matar o presidente, pois neste caso, pode sempre surgir, até à ultima hora, a activação de X. Por isso, a qualquer momento, X pode aparecer, e com isso a possibilidade de decidir de outro modo.

Por outro lado parece que o indeterminismo da situação não é suficiente para criar possibilidades alternativas, pois caso o complexo neuronal X fique activo Black faz a sua magia, intervém, e causa Jones decidir matar o presidente.
Na situação descrita Jones não pode nunca decidir de outro modo. Caso Black não intervenha, Jones é responsável pelo que faz. E escapamos à objecção levantada acima.

Digo isto com alguma hesitação, pois mais discussão é requerida – aqui só estou a apalpar o terreno. Acho que é nesta parte do argumento, sobre se o indeterminismo na situação é suficiente para criar possibilidade alternativas, que esta estratégia vence ou perde. Voltarei a este problema novamente.

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