John Searle, um filósofo que realmente vale a pena ler, diz em “Freedom & Neurobiology”
“É importante realçar que o problema do livre-arbítrio, como o apresentei, é um problema acerca de um género de consciência humana. Sem esta experiencia fenomenal de um hiato, isto é, sem a experiência fenomenal das características distintivas de acções livres, voluntárias e racionais, não haveria um problema do livre-arbítrio.”
O hiato de que Searle fala é o que advém da percepção de falta de suficiência nas nossas decisões pelas nossas razões. Quando escolhemos entre comer um gelado de baunilha e um de chocolate, não sentimos ao decidir, que tínhamos de decidir dessa maneira. Dadas as razões para um lado ou para o outro, estas não necessitam as nossas decisões. Mas não havendo necessidade em muitas das nossas decisões o problema posto pelo determinismo torna-se agudo, visto que parece negar este facto da experiencia. Searle pensa que sem a nossa experiência de liberdade não haveria o problema filosófico. E dizer isto por si só não está errado, contudo não capta o que é distintamente problemático com a possibilidade de não termos livre-arbítrio. Pois imagine-se que não temos livre-arbítrio. E agora? Que se segue daqui? Tudo que restaria a este projecto, seria explicar as condições psicológicas, neurológicas, evolucionárias, (se é que é uma adaptação), etc., que dão origem à ilusão de liberdade.
Mas o problema do livre arbítrio não se resume, nem é adequadamente expresso como o de saber se à nossa experiencia de liberdade corresponde algo na nossa natureza biológica que o pode corroborar – apesar de isto ser uma parte importante do problema.
Isto porque ao problema do livre-arbítrio está aliada uma inquietação, que é a inquietação de uma forma de vida, a possibilidade de uma autoconcepção posta em causa. O problema do livre-arbítrio é importante e torna-se critico porque pensamos que certas outras noções essenciais para nos concebermos humanos estão em jogo – noções como culpa, mérito, gratidão – noções que centram à volta da possibilidade da responsabilidade moral e dignidade humana.
Pois imagine-se que a responsabilidade moral fosse adequadamente fundamentada em algo de todo independente da questão metafísica do livre-arbítrio. Então, é verdade que uma resposta negativa ao problema posto por Searle, que explicaria não como é possível termos livre arbítrio, mas sim a origem neurológica de uma ilusão, não deixaria de ser encarado como uma perda grande, visto que a liberdade apresenta-se como um valor por si só. Mas não poria em causa a dignidade humana, e quase tudo a que damos valor ficaria praticamente na mesma.
Sem o problema da responsabilidade moral seria muito mais fácil viver sem livre-arbítrio. Visto que viver sem responsabilidade moral parece inconcebível para uma vida humana. Sem a responsabilidade moral, o problema do livre-arbítrio teria a forma, digamos assim, de um puzzle, com o qual conseguiríamos viver bem, caso não conseguíssemos dar-lhe uma resolução positiva. Mas com a responsabilidade moral, um resposta negativa parece uma catástrofe para a nossa forma de vida.
É de notar, quando o compatibilista encontra suficiente liberdade num mundo determinista, que o que ele de facto defende é que se pode ter responsabilidade moral num mundo determinista, e depois reconcebe a noção de liberdade à luz da responsabilidade moral.
O problema da responsabilidade moral e da dignidade humana é o motor principal no debate do livre-arbítrio. Conceber o problema sem estas noções leva a um empobrecimento conceptual.
“É importante realçar que o problema do livre-arbítrio, como o apresentei, é um problema acerca de um género de consciência humana. Sem esta experiencia fenomenal de um hiato, isto é, sem a experiência fenomenal das características distintivas de acções livres, voluntárias e racionais, não haveria um problema do livre-arbítrio.”
O hiato de que Searle fala é o que advém da percepção de falta de suficiência nas nossas decisões pelas nossas razões. Quando escolhemos entre comer um gelado de baunilha e um de chocolate, não sentimos ao decidir, que tínhamos de decidir dessa maneira. Dadas as razões para um lado ou para o outro, estas não necessitam as nossas decisões. Mas não havendo necessidade em muitas das nossas decisões o problema posto pelo determinismo torna-se agudo, visto que parece negar este facto da experiencia. Searle pensa que sem a nossa experiência de liberdade não haveria o problema filosófico. E dizer isto por si só não está errado, contudo não capta o que é distintamente problemático com a possibilidade de não termos livre-arbítrio. Pois imagine-se que não temos livre-arbítrio. E agora? Que se segue daqui? Tudo que restaria a este projecto, seria explicar as condições psicológicas, neurológicas, evolucionárias, (se é que é uma adaptação), etc., que dão origem à ilusão de liberdade.
Mas o problema do livre arbítrio não se resume, nem é adequadamente expresso como o de saber se à nossa experiencia de liberdade corresponde algo na nossa natureza biológica que o pode corroborar – apesar de isto ser uma parte importante do problema.
Isto porque ao problema do livre-arbítrio está aliada uma inquietação, que é a inquietação de uma forma de vida, a possibilidade de uma autoconcepção posta em causa. O problema do livre-arbítrio é importante e torna-se critico porque pensamos que certas outras noções essenciais para nos concebermos humanos estão em jogo – noções como culpa, mérito, gratidão – noções que centram à volta da possibilidade da responsabilidade moral e dignidade humana.
Pois imagine-se que a responsabilidade moral fosse adequadamente fundamentada em algo de todo independente da questão metafísica do livre-arbítrio. Então, é verdade que uma resposta negativa ao problema posto por Searle, que explicaria não como é possível termos livre arbítrio, mas sim a origem neurológica de uma ilusão, não deixaria de ser encarado como uma perda grande, visto que a liberdade apresenta-se como um valor por si só. Mas não poria em causa a dignidade humana, e quase tudo a que damos valor ficaria praticamente na mesma.
Sem o problema da responsabilidade moral seria muito mais fácil viver sem livre-arbítrio. Visto que viver sem responsabilidade moral parece inconcebível para uma vida humana. Sem a responsabilidade moral, o problema do livre-arbítrio teria a forma, digamos assim, de um puzzle, com o qual conseguiríamos viver bem, caso não conseguíssemos dar-lhe uma resolução positiva. Mas com a responsabilidade moral, um resposta negativa parece uma catástrofe para a nossa forma de vida.
É de notar, quando o compatibilista encontra suficiente liberdade num mundo determinista, que o que ele de facto defende é que se pode ter responsabilidade moral num mundo determinista, e depois reconcebe a noção de liberdade à luz da responsabilidade moral.
O problema da responsabilidade moral e da dignidade humana é o motor principal no debate do livre-arbítrio. Conceber o problema sem estas noções leva a um empobrecimento conceptual.
2 comentários:
Livre arbítrio e responsabilidade são as duas faces da mesma moeda .
não existe um sem o outro .
A acção do homem realiza-se não porque ele "quer" mas porque se reúnem sempre duas condições ;a primeira é a aparelhagem bio psíquica que o constitui que foi construída ao longo da sua vida não por ele próprio mas pela interacção do seu corpo
(com todos os seus acessórios incluindo o cérebro), com as sucessivas envolvências que o foram acompanhando , e a segunda ,são as circunstâncias envolventes presentes na altura do acto .
Dadas estas duas condições ,só pode acontecer uma e uma só coisa ;a acção em questão.
Desde há muitos séculos tornou-se muito cómodo e ao mesmo tempo a solução para muitas perplexidades construir uma realidade "artificial" , que se foi inscrevendo duma forma fortíssima no comportamento de todos de tal modo que faz parte do actual paradigma de pertença à natureza humana .
E o que foi construído ?
Vamos passar por cima de quem foi e como .
Nada mais nada menos do que o "eu".
Ultrapassando as elucubrações psicanalíticas e outras , o "eu" seria ou representaria antes de mais e acima de tudo um direito de agir arbitrário isto é capaz de “autonomamente” tomar decisões por “vontade própria”.
É fácil perceber que um homem observando um outro homem , tenha a expectativa
de que variadas e desconhecidas acções possam ser desencadeadas e que ao “escolher”
uma está a manifestar a sua liberdade de escolha .
Subjacente a isto está a noção de um eu representando uma forma de agir própria , eu esse que seria senão construído pelo menos assumido como determinante da acção .
Quando alguém diz eu ... qualquer coisa , está implícita e explicitamente a dizer e a significar que o que vai acontecer a seguir é da “responsabilidade” de um ser “autónomo” com capacidade e direito para escolher “de sua livre vontade”.
Este processo ou modo de funcionamento do ser humano é-lhe ensinado há milhares de anos .As consequências mais óbvias são a possibilidade de após uma acção ser recompensado com mérito ou ,pelo contrário , castigado .
É impensável hoje em dia e desde sempre imaginar uma sociedade onde não exista
o mérito ou o castigo .
Quem fala castigo fala em culpa e este conceito pode constituir a terceira face da mesma moeda que falei no inicio . Só tem culpa quem é livre e , por essa propriedade merece ser castigado ou “culpado de se portar bem” e ser elogiado .
A maior religião do mundo assenta a sua existência no livre arbítrio .
Sem esta característica que Deus terá acrescentado ao homem quando o criou toda a religião cristã perde o sentido .
O homem não teria “escolhido” a maçã , e continuaria feliz e eternamente no paraíso .
Foi sem dúvida uma ingénua e rebuscada explicação para a morte e o sofrimento que
os autores do génesis encontraram .
Portanto e para concluir por agora pois já estou farto de estar aqui ao computador ,
“eu” não escrevi tudo isto e tudo o mais que venha a escrever, livremente .
Apenas aconteceu que a aparelhagem bio psíquica que me constitui a qual , seja ela o que for , não foi escolhida por “eu” que não sei o que seja (provavelmente uma ilusão) ,
juntamente com as circunstancias que a envolveram , produziram estas palavras .
Sinto também que a nossa “glória” não estará no alegado estatuto de sermos livres mas
no facto de termos a capacidade de observar o que se passa à nossa volta e de , se acontecer olharmos duma determinada maneira , adquirirmos a capacidade de amar.
Sinto que quando amamos não temos necessidade de fazer perguntas , provavelmente
estaremos a cumprir a “nossa natureza” .
Disse atrás –se acontecer olharmos de uma determinada maneira – poderia ter dito :se quisermos olhar de uma determinada maneira .
Mas aconteceu não dizer . Porquê ? Porque quis ? Isto é , tive vontade e fiz como poderia ter vontade e não fazer ?
Há quem chame a isto livre arbítrio .
Por outro lado podemos observar que tudo o que acontece e que imediatamente antecede uma dada acção corresponde ao desencadear de processos por parte de uma aparelhagem bio psíquica que vai produzir inevitavelmente essa acção .
Ao supor-se a possibilidade de ocorrência de uma diferente acção (assumindo por exemplo a existência de algo como vontade ou livre capacidade de escolher) , é introduzida uma distorção da realidade que tem como consequência o actual paradigma em que vivemos que assenta em conceitos como livre arbítrio, responsabilidade, culpa ,
castigo etc. .
E o que é o amor ?
Fica para a próxima .
Gustavo Ferreira
Caro Gustavo. Obrigado pelo comentário. Agradecia contudo que fosse muito mais breve e se ficasse mais pelo teor da entrada original, que comenta, da próxima vez. Não é pratico ler ou responder a tais textos aqui.
Um pequeno comentário ao que diz, pois se bem o li, o Gustavo pensa que estamos determinados, rejeita o compatibilismo, mas vê alguma salvação ou consolo na possibilidade do amor. Isto recorda-me o comentário de Simone Weil sobre a Ilíada (ou o que eu me recordo dele!). Aquiles, Hector e todos os outros estão perdidos numa luta sem fim, onde forças brutais os possuem. Mas em alguns raros momentos, como os de amor, a que ela chama de graça, estes tomam posse de si mesmos e são dignos outra vez. É isto que pensa? Tenho alguma dificuldade em perceber esta posição concretamente. O meu reflexo imediato é ver esta posição à luz das do “eu profundo” de Frankfurt, Susan Wolf e Watson. A ideia seria a de que no momento de amor, Hector, por exemplo, identificar-se-ia com o que está determinado fazer. Seria nessa identificação que residiria a possibilidade de dignidade e responsabilização. Mas provavelmente isto já vai para além do que Weil e o Gustavo pensam.
Miguel Amen
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