sexta-feira, 28 de setembro de 2007

Responsabilidade e Possibilidades Alternativas

É natural pensar-se que para uma pessoa poder ser responsável por uma dada acção essa mesma pessoa pudesse ter agido de outra forma. Há algo de estranho em condenar o comportamento de alguém que, por exemplo, comeu o bolo de anos às escondidas, se essa pessoa não pudesse ter agido de outra forma. Se essa pessoa não tinha modo de evitar comer o bolo antes de este ir para mesa, dizer que ele procedeu de forma errada quando fez o que fez perde muito da sua força. O que nos parece mal, o que nos leva a olhar para este indivíduo com menos consideração é o facto de acharmos que ele poderia ter tido mais em conta os interesses da criança, reflectido em como estes são mais importantes que a sua gulodice, e em vez de comer o bolo de anos, fechava a porta do frigorífico e comia mais uma fatia do bolo de chocolate aberto na mesa. É porque achamos que ele poderia perfeitamente ter feito algo assim, que ficamos indignados com o seu actual comportamento.

Esta ideia, que quero explorar, pode ser assim enunciada

Principio de Possibilidades Alternativas (PPA)

Para que uma pessoa seja moralmente responsável por executar uma acção A é necessário que ela pudesse ter agido de outro modo.

Até 1969, altura em que Harry Frankfurt publica o artigo “Alternate Possibilities and Moral Responsability” a discussão entre o compatibilista e o incompatibilista centra-se na questão de saber exactamente como se deve compreender a possibilidade de fazer de outro modo. O problema, é claro, é que o determinismo apresenta um mundo no qual nos é apresentado apenas um caminho pela frente. Um pouco como um comboio que percorre uma linha na qual nunca há bifurcações. O incompatibilista, questiona então como é que podemos ser responsáveis pelo que fazemos se não temos qualquer controle sobre o que fazemos. Afinal, uma vez estando numa dada linha da vida, tudo o que acontece, não poderia deixar de acontecer, pois o determinismo significa que em nenhuma altura nos deparamos, na linha onde a nossa vida se desenrola, com uma bifurcação.
O compatibilista, por sua vez, acusa o incompatibilista de analisar erradamente, e portanto ter uma concepção desadequada do que é ter controle sobre os nossos actos. Este diz que a possibilidade de agir de outro modo deve ser analisada condicionalmente; Se nós tivéssemos desejado fazer algo diferente do que fizemos então teríamos feito algo diferente. O que importa para termos controle sobre a nossa vida é que possamos fazer o que queremos fazer. E porque podemos fazer de outro modo, mesmo num mundo determinista, o compatibilista acha que somos por vezes responsáveis pelo que fazemos.
A isto o incompatibilista responde que não faz sentido sequer dizer que poderíamos desejar outra coisa visto que tal não é compatível com uma linha da vida sem bifurcações. Se desejamos A, então não faz sentido dizer que poderíamos desejar B, dado que na linha da vida onde estamos somos a pessoa que desejamos A e não B. E assim tem sido a discussão, ad eterno, sem se ter chegado a nenhuma posição consensual.

Nesta discussão, tanto o incompatibilista como o compatibilista assumem que é necessário para a responsabilidade moral a existência de possibilidades alternativas. Onde discordam é na compreensão desta possibilidade.

Aqui entra Frankfurt. Este acha que podemos simplesmente deixar toda esta discussão de lado, pois pensa que podemos separar a questão da responsabilidade moral da questão das possibilidades alternativas. Para este filosofo, é possível ser-se moralmente responsável por uma dada acção, mesmo que não tivesse sido possível agir de outra forma.

Esta ideia não vai somente contra séculos de entendimento, como, e mais importante, é altamente contra intuitiva, como o exemplo discutido acima torna explicito.

A ideia de Frankfurt é esta: Imaginemos uma circunstância tal, C, que faz com que o agente não pudesse agir de outro modo, mas em que C não teve qualquer papel no modo como se agiu, e portanto que o agente teria agido da mesma maneira, praticado a mesma acção, mesmo que pudesse agir doutra forma.

Neste caso Frankfurt pensa que o agente é responsável pelo que faz e no entanto não poderia ter agido de outra forma. A razão é a de que as condições que fazem com que o agente não possa agir de outra forma não são relevantes para a forma como ele age, tanto que se essas condições desaparecerem, o agente teria agido exactamente da mesma forma.

Visto que estas circunstâncias, no caso actual, em nada foram relevantes para o que aconteceu, parece que também não são relevantes para a questão de se saber se se é responsável. A ideia é a de que a diferença entre os dois casos é uma diferença que não tem relevância para o que sucede. Assim C, que impede a possibilidade de fazer de outro modo, parece ser irrelevante para o modo como se age, mas então também o será para a avaliação da responsabilidade moral.

A minha impressão durante alguns anos era que Frankfurt estava errado. Recentemente mudei de opinião. Nos próximos dias quero explorar em detalhe este argumento, e veremos porquê. A questão central, é claro, é a de especificar uma condição C, que permita fazer tudo aquilo que mencionamos acima, sem que com isso estejamos a inclinar a discussão para um lado ou outro. O que não tem sido assim tão fácil; a discussão e a literatura produzida desde então é gigantesca.

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