quarta-feira, 26 de setembro de 2007

A Delicadeza do Naturalismo

O problema da consciência surge naturalmente do conflito entre a imagem manifesta e a imagem científica. Vejamos, brevemente, qual é o problema. A imagem manifesta da mente é preenchida, substancialmente, com a subjectividade da consciência; os qualia retratam um aspecto da mentalidade, um aspecto que é caracterizado muitas vezes pela frase de Thomas Nagel «que há algo que é passar por uma dada experiencia consciente». Por outro lado temos uma concepção de «partículas em campos de forças» da realidade, dada pela imagem científica. O problema da consciência é o de saber como é possível a subjectividade da consciência, dada a concepção da imagem científica. À necessidade de tornar as duas imagens compatíveis chamam os filósofos, muitas vezes, naturalizar a mente. Mas esta é uma forma de colocar o problema, é preciso ver, que dá uma vantagem clara à ontologia proposta pela imagem científica – pelo menos a prática filosófica tem reflectido esta ideia. Assume-se que o que a ciência nos diz sobre o mundo é o que de melhor sabemos sobre o mundo. Por isso a questão que se põe é a de saber como é que esta ontologia, de partículas em campos de força, pode dar origem a estados conscientes.

Uma coisa curiosa acontece sempre que se avança uma teoria naturalista da consciência: alguém aparece e diz que o rei vai nu; que a teoria naturalista deixa de fora o que queria explicar, isto é, não explica a consciência, visto que ou nega a sua existência, ou não a encara de frente, explicando factos não essenciais da consciência, factos outros que o da sua subjectividade. O que acontece é que se olha para a imagem manifesta e se aponta certas características por ela apresentadas que parecem essências para a nossa concepção de nós mesmos, e que por isso não podem ser tidas como menos importantes do que as características dadas pela imagem científica. Não quer isto dizer que se dê mais ou menos valor a uma destas imagens, mas que cada uma delas nos fornece uma ontologia que tem de ser levada a sério, em particular, que a subjectividade do mental é uma característica do mundo tão real como as moléculas os átomos e os neutrões.

O problema da naturalização da intencionalidade segue labirintos semelhantes. Neste caso uma das pressões para a naturalização – que leva às várias versões do fisicalismo – deve-se ao problema da causalidade mental. Mas mais uma vez o segredo de um trabalho bem feito está em não esquecer que os fenómenos de racionalidade subjacentes ao mental não podem ser deixados de lado na execução do projecto. Senão estamos a deixar de lado o essencial.
O naturalista tem uma vida difícil – vive na corda bamba – mas aí reside a riqueza da sua posição. Se balança demasiado para um lado, pode cair em posições mais ou menos idealistas, se para o outro em formas de cientismo, ambas constituindo um empobrecimento em relação à sua posição inicial.

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