quarta-feira, 26 de setembro de 2007

Como Ser uma Marioneta

Alguém disse, penso que Bernard Williams, que há uma certa tendência na filosofia analítica de responder no corpo de um artigo de filosofia a todas as objecções e minúcias que passem pela cabeça do autor. E porquanto seja importante que o autor as compreenda e saiba efectivamente lidar com essas objecções e minúcias não é de todo claro que eles tenham lugar num artigo de investigação. Parece-me que há algo de certo nestas linhas, contudo no que se segue vou pegar numa minúcia, para mais numa que pode ser vista como surgindo da falta de atenção do leitor ou pior, má fé, para mostrar como estas são úteis a clarificar, guiar o leitor e à falta de imaginação, estruturar o texto. Penso que esta última tem mais peso do que se gosta de admitir.

Estas considerações avulsas vêm a propósito do título desta entrada, visto que poderia pensar-se, assim ocorreu a este blogger, que se estritamente falando não é verdade que sejamos marionetas simplesmente por não termos livre-arbítrio ou porque não seja possível a causalidade mental, não se segue que sejamos marionetas – para estas é necessário também, quiçá, cordéis, engonços e provavelmente um mestre dos cordéis. Mas tal objecção seria estranha ao contraste pretendido.
O que se quer apontar, acima, e que interessa especialmente, é o de saber até que ponto a nossa responsabilidade moral se aproxima da da marioneta, quando se verifica que não temos nem livre-arbítrio, nem causalidade mental.

E nós sabemos que as marionetas não agem realmente. Elas não estão a controlar os acontecimentos – mas sim o mestre dos cordéis. Também não seguem nenhum desejo ou razão própria. E se atribuímos feitos e planos às marionetas fazemo-lo de modo figurativo ou derivativo. Isto porque sabemos que a marioneta esta a ser puxada e articulada pelos cordéis nas mãos de outrem; o verdadeiro mestre dos acontecimentos.

O meu interesse no problema da causalidade mental e do livre-arbítrio depende em parte do meu interesse em saber como é possível defender uma autoconcepção na qual noção de agência é proeminente. Nesta autoconcepção nós temos responsabilidade moral e dignidade, por vezes agimos de modo admirável, noutras contudo inspiramos indignação. Mas esta concepção perde-se – tudo que faz da vida racional diferente e valiosa cai por terra – se não conseguirmos criar distância entre nós e as marionetas no que respeita à capacidade de agir.

A dificuldade está em reconciliar esta visão de nós próprios – e minimamente este querer ser mais do que marionetas - com a ordem natural ou científica. Há muito mais a dizer sobre este assunto, e a ele voltarei repetidamente. Por agora quero apenas realçar a ligação que há entre estes problemas. Porque é que é importante que tenhamos respostas positivas para o problema do livre-arbítrio e da causalidade mental? Porque é que nos preocupamos com eles? A resposta, parece-me claro, é a de que a nossa concepção de agência, que é central para a imagem manifesta, está em jogo.

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