segunda-feira, 24 de setembro de 2007

Causalidade mental e a metafísica da causalidade

O problema da causalidade mental pode e deve ser entendido como o de encontrar uma teoria metafísica da relação entre a mente e o corpo que respeite as intuições cartesianas de distinção, mas onde ainda tenha lugar a ideia de que os nossos estados mentais causem estados físicos, para que não se perca uma visão robusta de agência. Mas é fácil ver que uma certa compreensão específica de causalidade é operante nos argumentos que procuram mostrar que há dificuldades para a causalidade mental. Vejamos dois exemplos proeminentes na literatura.

O problema para Descartes, como já falei numa entrada anterior, era o de explicar como é que propriedades de uma substância sem expressão espacial poderia causar coisas no mundo físico, caracterizadas de forma necessária pela sua dimensão espacial. O problema é especialmente vívido para Descartes devido à sua concepção de causalidade – para que A cause B, A tem de entrar em contacto físico com B. Mas visto que o mental não tem expressão espacial, a ontologia cartesiana não consegue dar resposta ao problema.

A teoria da mente de Davidson, o monismo anómalo, não sofre, é certo, na explicação de uma certa forma de causalidade mental, visto que há uma identificação entre acontecimentos mentais e físicos. E não há dúvidas quanto há eficácia deste tipo de acontecimentos. Contudo Davidson pensa que a relação causal tem de ser fundamentada por leis estritas, leis estas que existem na física, mas não envolvem propriedades psicológicas – de acordo com Davidson não há leis psicofísicas ou psicológicas estritas.
Mas assim as propriedades mentais não têm qualquer papel na estrutura causal dos acontecimentos. Esta estrutura depende, de acordo com esta concepção de causalidade, das leis físicas e do tipo de propriedades físicas que os acontecimentos instanciam. É em virtude das propriedades físicas que os acontecimentos possuem, que estes entram nas relações causais que entram. Mas a irrelevância causal das propriedades mentais não é um mal menor. Quando agimos, quando alteramos as coisas à nossa volta, agimos de acordo com propriedades intencionais – abrimos a janela porque queremos ar fresco, levantamos o braço porque queremos falar, etc. Gostaríamos de dizer que é por causa do que queremos e desejamos que fazemos o que fazemos, mas de acordo com o monismo anómalo, o que fazemos parece acontecer devido às propriedades físicas dos acontecimentos.

Note-se quão semelhante os problemas são. Em ambos os casos temos uma concepção do mental e uma concepção da causalidade, e em ambos os casos a concepção da causalidade não é compatível com o mental. No caso do dualismo Cartesiano, onde a causalidade é entendida como contacto, não há, obviamente, lugar para substâncias sem dimensão espacial. Em Davidson, a causalidade requer leis estritas, mas nestas não há lugar para propriedades mentais.

Dado o problema, quais as soluções? O problema no seu essencial resume-se a isto: O mental é compreendido de certa forma, que é pela sua própria natureza incompatível com a noção de causalidade.

As estratégias são óbvias e ambas estão vivas na filosofia da mente contemporânea. Ou se concede que erramos e se modifica a noção de causalidade de modo a que seja compatível com o entendimento que temos do mental, ou se altera a concepção do mental, de modo a que seja compatível com a causalidade.

Desde Descartes, que a pressão reducionista, de tendências fisicalistas tem sido a força motriz na filosofia da mente. A ideia tem sido a de tornar menos diferente o mental, de modo a que a sua incongruência com o mundo físico seja menor, e assim arranjar um lugar para as propriedades intencionais, que responda as nossas intuições de relevância causal.
Mas esta estratégia não vem de graça e os preços a pagar devem ser claros. Na medida em que se fisicaliza o mental, e no limite, se identificam as propriedades mentais com as físicas, torna-se difícil de responder e encontrar lugar para as intuições de distinção que criaram o problema em primeiro lugar - questões de fenomenologia, normatividade, racionalidade, que parecem ancorarem o mental. E as dificuldades são muitas e graves. Corre-se o risco, seguindo esta estratégia, de salvar a causalidade mental à custa de eliminar o mental.

Por outro lado poderemos alterar a noção de causalidade. Ultimamente tem-se falado muito das teorias contrafactuais, seguindo David Lewis. O preço a pagar aqui é menos claro, mas poderá ser alto. A questão que se põe, e que não tem sido suficientemente discutida, é a de saber se todas as teorias causais são compatíveis com uma concepção de agência robusta. O problema da causalidade mental é importante porque parece ser uma condição necessária da agência. A meu ver para elucidar este problema é preciso compreender melhor as relações que a noção de agência tem com o problema da responsabilidade e do livre-arbítrio e em que medida esta compreensão nos pode iluminar um bocadinho na questão da teoria causal.

Para já fico por aqui, mas a minha impressão é a de que estes problemas colocam limites e condições na nossa concepção da causalidade no contexto do problema da causalidade mental. Voltarei a este problema mais tarde.

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