quarta-feira, 9 de abril de 2008

Como definir o livre-arbítrio?


É particularmente difícil dizer o que é o livre-arbítrio sem nos comprometermos com uma ou outra tese de «filosofia substancial» colocando-nos assim num ou noutro lado do debate filosófico. Por exemplo, dizer que ter livre-arbítrio é ser capaz de seguir os nossos desejos ou decisões compromete-nos com uma ou outra forma de compatibilismo e parece, por definição, excluir qualquer forma de libertismo. O que precisamos é de uma noção suficientemente precisa para que saibamos do que estamos a tratar, mas suficientemente maleável para que as várias perspectivas se possam afirmar. A seguinte definição parece-me a mais apropriada,

O livre-arbítrio é a capacidade de pessoas para exercer controlo na sua conduta de uma forma necessária para a responsabilidade moral.

Este controlo inclui uma ou outra compreensão das seguintes ideias: (1) que o agente tenha a capacidade de agir de um modo diferente daquele que agiu, (2) que as suas acções sejam inteligíveis, isto é, racionais, (3) que o agente seja a origem ou fonte das suas acções.

Uma pergunta natural será a de saber porque não se define o livre-arbítrio com base em (1), (2) e (3). Não só é natural mas também algo que se encontra frequentemente nos livros dos filósofos. Contudo julgo que não é correcto faze-lo.

Vejamos porquê. O compatibilista e o incompatibilista, têm ao longo dos anos discordado acerca de (1). O compatibilista tradicional oferece uma analise condicional de “poder fazer de outro modo” que o incompatibilista não aceita. Isto leva por vezes a dizer que há, por exemplo, uma noção de livre-arbítrio compatibilista e outra libertária. Pergunta-se por vezes “será que existe livre-arbítrio tal como o libertista o concebe, ou temos que nos ficar por uma concepção compatibilista?” Mas isto é absurdo. Se assim fosse qual seria o objecto da discussão? O incompatibilista sabe muito bem que dado o determinismo a única análise possível de (1) é a análise condicional. O problema do incompatibilista com esta análise é a de que dado o determinismo não há responsabilidade moral. Os argumentos típicos apontam para o estado do mundo antes de haver homens e dado as leis da natureza, para a inevitabilidade de um dado acto hoje, com vista a despertar a intuição de que o agente nessa circunstância não é responsável pelo seu acto. A analise condicional é contestada pois não capta uma noção de escolha, (1), que seja compatível com a responsabilidade do agente. Assim, os critérios para avaliação da noção de controlo dos nossos actos passam pela noção de responsabilidade moral. A noção de controlo que procuramos não é decidida no vazio, mas com base nas nossas intuições de responsabilidade moral. Só assim se compreende verdadeiramente a interminável discussão entre as facções.

De particular importância na definição que acima proponho é a eliminação de qualquer ideia de livre-arbítrio para este ou para aquele. O problema do livre-arbítrio é o problema de ajuizar se uma dada noção, única, está ou não na posse das pessoas. Só há uma noção de livre arbítrio em discussão entre os intervenientes.

Por isso penso que a responsabilidade moral é o verdadeiro motor do problema do livre-arbítrio. É com base na noção de responsabilidade moral que avaliamos se uma dada teoria T da acção humana que explique (1), (2) e (3) é ou não tal que capta a noção de controlo necessária para a liberdade humana. Se T se verifica (mais as condições morais e epistémicas para a responsabilidade moral), isto é se temos controle sobre as nossas acções tal como T especifica e não temos responsabilidade moral, então T não resolve o problema do livre-arbítrio.

Miguel Amen

4 comentários:

anamagno disse...

penso que o livre arbítrio é a capacidade que a pessoa tem de modificar o seu comportamento em direcção a determinado rumo que qeira dar á sua vida, também tem a ver com as circunstãncias pois sem essas circunstâncias e sem decisões tomadas com base nessas circunstâncias nada pode mudar, não estou a falar de começar do zero; passa também por alterar determinadas situações alterando as condições da sua existência, tornando-as mais favoráveis;

GUST99 disse...

Nimguém é capaz de mudar o seu comportamento .
Apenas acontece que , se me acontecer eu adquirir um novo conhecimento ,eu agirei de acordo com a integração desse conhecimento no programa que eu já possuia .
Sem esse conhecimento eu teria um comportamento diferente .
Em cada momento nós agimos de acordo com a nossa aparelhagem bio psiquica .
É irroneo pensar que podemos ou temos a capacidade de mudar o nosso comportamento .Acontece apenas que qualquer experiência ou inputs informativos ,vão actualizar o nosso software e vamos agir de acordo com o estado do software desse momento .
Nós não temos a capacidade de mudar , apenas acontece sermos diferntes em cada momento .
Mesmo quando "reflectimos", é o nosso processador a reformular os conceitos de que nos serviamos habitualmente e aquilo que faremos estará de acordo com as eventuais mudanças introduzidas .
Nós não "decidimos"
"reflectir" ,acontece apenas que em determinadas circunsâncias o nosso processador reavalia as suas bases de dados e os seus próprios algoritmos de funcionamento .Essas circunstâncias são próprias de cada aparelhagem bio psiquica ,não
existindo nenhum ser livre e autonomo que puxe os "cordelinhos".
À ilusão de que somos os autores do que acontece com a nossa aparelhagem bio psiquica chama-se
livre arbitrio .

Miguel Amen disse...

Caro gust99,

O que diz parece ser uma tese bastante definida e peremptória da estrutura da decisão humana, que pode ou não ser verdadeira. Mas repare que uma versão mecanizada da estrutura da acção e decisão humana é algo que a maioria dos compatibilista pode aceitar. E estes acreditam no livre-arbítrio.

Miguel

GUST99 disse...

""Na realidade, agimos normalmente com base nos nossos estados intencionais — as nossas crenças, esperanças, temores, desejos, etc. — e, nesse sentido, os nossos estados mentais funcionam causalmente. Mas esta forma de causa e efeito não é determinística. Poderíamos ter tido exactamente esses estados mentais e, apesar de tudo, não termos feito o que fizemos. Tanto quanto às causas psicológicas diz respeito, poderíamos ter agido de outra maneira.
Assim, psicologicamente falando, existe espaço para a liberdade humana.(searle)""

Veja este tipo de comentário !!! Como poderíamos ter agido de outra maneira ?
Gustavo ferreira