sexta-feira, 21 de setembro de 2007

Causalidade Mental e Descartes

O problema da causalidade mental surge de muitas formas, e em muitas teorias que explicam a relação entre a mente e o corpo. Historicamente começa com Descartes que foi o filósofo que iniciou o pensamento contemporâneo nestas matérias e que estabeleceu os termos que a discussão tomou desde então.
Vejamos brevemente o problema: O Dualismo Cartesiano diz-nos que a mente e a matéria são duas substâncias diferentes.
A mente, é uma substância não material, cujo atributo ou propriedade essencial é a consciência. Devemos entender isto como mantendo que algo que não possua a propriedade de ser consciente não pode ser uma mente. Por outro lado Descartes também entendia que a propriedade essencial de uma substância é uma propriedade que é necessária para qualquer outra propriedade que essa substância possa ter. Assim se uma mente possui uma crença, um desejo ou qualquer outro atributo mental, essa mente tem de estar consciente de possuir essa crença, esse desejo ou qualquer outro atributo mental. Se o Paulo pensa (tem a crença) que amanhã vai chover, então segundo Descartes a crença do Paulo tem a propriedade da consciência, pelo que se segue que o Paulo está consciente de ter tal crença. Dizer que qualquer propriedade mental tem a propriedade da consciência é o mesmo que dizer que qualquer propriedade mental é transparente à mente que possui a propriedade. O Paulo não só pensa que amanhã vai chover como sabe que pensa que amanha vai chover.
A matéria, por seu lado, caracteriza-se pela sua dimensão espacial. Ter dimensão espacial é segundo Descartes a propriedade essencial da matéria. Assim qualquer coisa material, além das propriedades acidentais, como ter uma dureza específica ou ter uma certa massa, tem a propriedade necessária de ocupar espaço ou como Descartes se exprimia, de se estender no espaço. Algo que não tenha dimensão espacial não pode consequentemente ser uma coisa material. Com o que foi dito até agora não se poderia inferir o dualismo pois não foi excluída a possibilidade de que uma propriedade que possua dimensão espacial também seja consciente. Mas Descartes rejeita tal possibilidade. Cada substância tem uma e uma só propriedade essencial. O que leva a uma bifurcação completa do mundo, pois não há então partilha de propriedades, visto que qualquer propriedade material possui a propriedade de se estender no espaço o que exclui a possibilidade de ser consciente e vice versa.
Esta ontologia bifurcada traz dificuldades quando consideramos seres como nós onde o mental e o material parecem coexistir. A questão que tem sido posta a Descartes ao longo dos anos é a de saber como é que algo mental pode interagir com algo físico, dado que são tão essencialmente diferentes.
Quando agimos, quando por exemplo decido alterar a intensidade da luz sobre a mesa, modificamos o mundo à nossa volta, devido aos desejos e crenças que possuímos. Assim algo mental tem de interagir com o mundo físico, para haver a possibilidade da acção. Na medida em que a agencia é importante para nossa concepção do que é ser-se humano, então o problema da causalidade mental é pertinente. Descartes era demasiado bom filósofo para negar a importância da interacção mente-corpo apesar da sua teoria não conseguir dar conta do facto.

Descarte legou-nos um mundo bifurcado; a mente é uma coisa, a matéria é outra, e são coisas, substâncias, fundamentalmente distintas. É verdade que hoje em dia não é uma dualidade de substâncias que cria problemas, dado que se pensa que só há um tipo de substância, o material ou físico. Como veremos, no essencial, este é um legado que persiste na filosofia contemporânea. Descartes legou-nos um problema que surge com esta visão bifurcada do mundo, o de saber exactamente como é que estas coisas assim tão diferentes podem interagir uma com a outra.
Desde então, Descartes é criticado por esta falha, e as teorias fisicalistas que estão em voga, foram avançadas como projectos que estariam isentos deste tipo de problemas.
Contudo, muitos filósofos acham que as propriedades mentais não são idênticas às propriedades físicas, e como veremos tais teorias estão sujeitas objecções do mesmo tipo que assolaram Descartes.
O fisicalismo não-redutivo, que não identifica as propriedades mentais com as físicas, ainda não respondeu adequadamente a este problema.

3 comentários:

Unknown disse...

Bem.... Não me sinto com todo o A-vontade para discutir Descartes contigo, mas este post fez-me lembrar de algumas coisas.

Imaginei um olho, orgânico, a comunicar e a reagir a luz.

Mais, imaginei rochas a serem atraídas pela gravidade, electrões a serem repelidos e atraidos pelo electromagnetismo e os protoes a co-habitarem o nucleo devido as forças nucleares.
A verdade é que p que tempos são forças a interagir com a materia, a muda-la, a altera-la.

Pergunto-te: o que é uma força?
é um agente?... é material?
Obviamente que a ciência actual diz que não existem forças. O que junta os protões são os glutões (a pergunta seria, o que é que mantém juntos os glutões), a luz são fotões, e mais um enorme sem numero de particulas que aparecem para explicar forças que na realidade só existem no papel (e na mente humana) porque há efeitos na matéria que não sabemos explicar.

Será o imaterial a interagir com o material?

Miguel Amen disse...

Suponho que argumentas por analogia. Descartes tem problemas com a causalidade mental, pois a noção de causa, por contacto, que ele possui não é compatível com a ontologia dos estados mentais - pois são não materiais. Mas perguntas, não será que a física actual sofre do mesmo sintoma. Não postula esta uma séria de entidades que não são claramente materiais. Não é verdade que o neutrino nem sequer massa têm? E assim não temos o imaterial, na física actual, a interagir com o material?

A minha resposta é que o que é material ou pensamos que é material, ou melhor fisico, evolui com o que vamos sabendo. A melhor maneira de se saber o que é físico é olhar para o que as ciências físicas nos dizem sobre as coisas do mundo. Na medida que em o neutrino figura em leis causais, é uma “boa” entidade física do mundo. A nossa concepção de causalidade e da ontologia do mundo depende do que sabemos sobre o mundo. E por isso muitas particulas físicas de hoje são estranhas à física newtoniana. A nossa concepção do que é material evoluiu.

A Analogia sugerida falha, pois prima facie, não é possível incorporar as propriedade mentais cartesianas na física actual. Temos de as “fisicalizar” de outro modo. Estamos então perante o problema mente-corpo.

Abraços,
Miguel

Filipe de Cólofon disse...

Sempre que olhamos para o mundo e sempre que lemos Descartes e outros pensadores parece que vivemos sempre entre paredes, especialmente no que está relacionado com dualidades. Temos o corpo e a mente, o ser e o nada, material e espiritual...a minha proposta é dificil, talvez impossivel mas o experimento mental que proponho é pensarmos no 3. A outra hipótese. Aquilo que não é corpo nem mente nem participa de nenhum destes. Aquilo que nem é possível nem impossível, aquilo que não é afectado pelas leis da lógica, desprovido de sentido, não tem género nem é neutro...é...a outra hipotese...