domingo, 25 de novembro de 2007

Determinismo e Deliberação

Peter Van Inwagen em “An Essay on Free Will” diz o seguinte

“Qualquer um que rejeite o livre-arbítrio não pode consistentemente deliberar acerca de futuros planos de acção. Isto porque, assim vou defender, devido ao simples facto de não se poder deliberar sem acreditar que as coisas acerca das quais deliberamos são coisas que é possível fazermos.”

Julgo que esta afirmação está errada no contexto do determinismo e do livre-arbítrio. Mesmo que o determinismo seja verdadeiro e nós não tenhamos livre-arbítrio e saibamos que não temos livre-arbítrio, quer me parecer que ainda faz todo o sentido deliberar acerca de futuros planos de acção.

Vejamos um exemplo concreto. O Pedro um incompatibilista, que sabe estar a viver num mundo determinista, tem de escolher entre passar o Natal com a família ou apanhar um avião e ir passa-lo com amigos num outro país. Suponhamos que ele sabe que antes de nascer já estava determinado onde ele iria passar o natal, e é claro quando a noite de natal chegar, e ele se encontrar no meio familiar, saberá então que antes de nascer já estava “nas cartas” que ele iria passar o natal com a família. A questão que se põe é a de saber como é que isto tudo elimina o processo de deliberação. Afinal saber que a sua decisão está determinada, não é o mesmo que saber qual vai ser a sua decisão. O determinismo não intima nem evidencia o sujeito sobre o futuro das suas acções! E assim, até muito perto da tomada de decisão, o Pedro pode estar indeciso sobre o que fazer. Ele tem boas e sérias razões para passar o natal com a família, mas também tem boas razões para ir para fora, e passa-lo com os amigos. Como o determinismo, por hipótese, é verdadeiro, a futura acção do Pedro já está bem definida, e não há escapa possível. Mas saber isto não significa que o Pedro não tenha de meditar, pensar seriamente nos prós e contras de ir ou ficar, enfim, deliberar sobre o que quer fazer, para que possa chegar a uma conclusão sobre o que quer de facto fazer.

A questão fundamental parece ser a de que o determinismo, e o facto de sabermos que apenas uma das opções é realmente possível, não significa que estejamos numa situação epistémica tal que saibamos qual é essa a escolha. Afinal a escolha pode ser a que vai ser exactamente porque é o resultado do processo de deliberação.

Compare-se: o Pedro em t0 sabe que em t2 vai decidir passar o natal com a família. Por isso, quando lhe perguntam em t1 onde vai passar o natal, ele imediatamente adopta uma posição de pensador, e medita sériamente durante 10 minutos até que decide o que vai fazer. Claro que isto é absurdo. Se em t0 Pedro já sabe o que vai decidir fazer, não há qualquer meditação a exercer em t1. Mas esta situação não está implicada pelo determinismo. As nossas decisões podem estar todas determinadas sem que nós saibamos o que vamos decidir, antes de fazer o trabalho necessário para remover as dúvidas e indecisões que possamos ter a respeito do caminho de acção que queremos.

Miguel Amen

5 comentários:

airesff disse...

É fascinante a ideia científica de determinismo complexo. O mesmo que gera o caos; i.e. a incapacidade de prever o futuro dado que a sensibilidade das condições iniciais é demasiado amplificada para tempos posteriores. Gostei do blogue. Talvez volte cá para comentar de forma mais séria (se arranjar tempo).

Cumprimentos.

Miguel Amen disse...

É Verdade.O caos oferece um mundo determinado, onde a sensibilidade às condições iniciais toma uma forma radical, o que torna ainda mais díficil a previsibilidade. Cada vez mais as qualificações que fazemos, quando estamos a falar de prvisão, têm de ser mais ideais, e em principio.Obrigado Airesff.

Unknown disse...

Olá
É um prazer retornar ao seu blog. Permita-me comentar apenas a parte inicial deste seu breve ensaio. Perceba que uma coisa é falarmos que não podemos deliberar quando aceitamos a verdade do determinismo. Isso me parece correto. Se o determinismo duro ou forte é verdadeiro, a deliberação não existe, se não existe não nos é possível deliberar. Esta é a afirmação de Inwagen. Portanto, o argumento não deixa espaço para a aplicação de outro termo como você o faz quando em lugar de “poder”, utiliza “fazer sentido”. O que ocorre, penso eu e acredito ser talvez aonde resida algum equívoco, torna-se claro ao analisarmos cuidadosamente o que nos diz o determinismo forte. Segundo os deterministas quando pensamos que deliberamos, isto, ainda assim, parece fazer sentido (o que difere muito de podermos). (i) Eu posso deliberar realmente, ou (i) eu penso que posso deliberar. Perceba que são duas coisas distintas, senda a última afirmação aquela válida para o determinismo. Eu penso que posso, quando de fato, não posso, ou melhor, não delibero. Duro de engolir, mas é isso. Trata-se de uma sensação contra-intuitiva que advém do forte sentimento que temos de que somos livres. Para o determinista a liberdade é algo ilusório, ilusão esta provocada por este sentimento de liberdade que pensamos possuir quando estamos acreditando que deliberamos.
abrç

Miguel Amen disse...

Cara Silvia

Tanto eu como o Van Inwagen pensam que faz sentido deliberar, mesmo se o mundo é determinado.

Nesta entrada refiro-me e cito Van Inwagen mas não o discuto muito. A citação é um pretexto para falar de determinismo e deliberação.

A história que conto tem como propósito mostrar exactamente isto. Tem um defeito bastante grave contudo. Misturo a questão do determinismo com a do livre-arbítrio. O que já não me parece correcto e leva a confusões. Penso que é possível haver deliberação num mundo determinado, mas penso que já é muito duvidoso pensar que pode haver deliberação se tivermos a crença de que não há livre-arbítrio.

A tese do Van Inwagen é a de que é uma condição necessária para deliberação a crença no livre arbítrio. O que me parece plausível. Note-se que um compatibilista acredita que num mundo determinado pode haver livre-arbítrio, logo é possível haver deliberação num mundo determinista. Claro que se os incompatibilistas estiverem correctos, este compatibilista tem uma crença errada. Mas isso é irrelevante para a questão da deliberação. Tudo que importa parece ser a possessão da crença para se deliberar genuinamente.

Esta entrada parece-me misturar coisas que não devem ser misturadas, e por isso haveria muito mais a adiantar. Em particular a defesa que faço da deliberação depende de uma possibilidade epistémica (dado tudo o que sei poderia escolher A ou B) , quando penso que deve depender de uma possibilidade metafísica.

Obrigado pelo comentário, obrigou-me a pensar outra vez nestas coisas.
Miguel

Meu nome não é nome disse...

Caro Miguel, antes de tudo parabenizo-o pelo excelente blog. Permita-me apenas um comentário a esta colocação: "Note-se que um compatibilista acredita que num mundo determinado pode haver livre-arbítrio, logo é possível haver deliberação num mundo determinista."

Mas veja: conquanto que se preserve a noção compatibilista de liberdade. O compatibilista só acredita que em um mundo determinado pode haver livre-arbítrio porque não utiliza a mesma noção de liberdade que o determinista. Logo, a deliberação só será possível em um mundo determinista (como você coloca) que preserve estritamente a noção de liberdade compatibilista. O que não é o mesmo que dizer que para um determinista, com uma noção incompatibilista de liberdade pode haver deliberação. Talvez eu não tenha compreendido exatamente o que você quer dizer, assim, acho que não entendo em que medida a colocação é capaz de auxiliar a sua argumentação. Por que você diz que se os incompatibilistas estiverem certos, os compatibilistas possuem uma crença errada? Se a noção de liberdade compatibilista for mantida (e só desta forma é que em um mundo determinista é possível haver deliberação), me parece que os incompatibilistas libertaristas podem ainda assim estar, em maior ou menor medida, estar certos. Por isso, existem argumentos que questionam se no final, o compatibilismo não seria uma forma de libertarismo. Apenas, como um último esclarecimento, nem sei se necessário, mas vamos lá: Libertaristas não rejeitam de fato a determinação, tal como deterministas rejeitam a liberdade. Libertaristas apenas acreditam que ao invés de as causas serem necessárias e suficientes à ocorrência de um evento, elas são algumas vezes apenas necessárias e não suficientes, o que em tese guardaria lugar para a liberdade. O que ambos têm em comum é a noção de liberdade que dita que liberdade é ausência de determinação causal pressuposta pela tese determinista, reiterando: que a toda ocorrência de um evento as causas devem ser necessárias e suficientes para tanto.
Deixo um cordial agradecimento pela participação.